JB Drummond

Palavras ao Vento. Resolutas, Destemidas.

Textos

Paranóia
                                        
                                                                                Paranóia

  Uma sirene estridente soa no ar, e todos os 500 cidadãos com nível de segurança infravermelho que dividem o dormitório A46G21 do setor URK acordam de seu sono induzido em suas camas, inclusive Bruno-URK7.
“Não é fácil ter que dormir debaixo das caldeiras do setor de energia, mas podia ser pior... Podia estar dormindo sob os tanques de alimentação!” pensa Bruno. Ele rapidamente se levanta de sua confortável cama, tão macia quanto o chão sobre o qual ela se apóia, quando o alto falante do dormitório começa seu discurso:
  “Bom dia, cidadãos do complexo Alpha. Espero que todos tenham dormido bem e estejam felizes, porque afinal de contas não estar feliz é crime sujeito à pena de morte! Continuando, são exatamente 4:00 hs do ciclo diurno, e é hora da ginástica coletiva. Assumam suas posições, por favor.”
  Após a ordem do computador, todos os 500 cidadãos que dividem o dormitório correm em desespero para suas posições fixas pois sabem que quem estiver fora do lugar no momento em que os exercícios começarem vai ter um clone a menos na reserva.
Bruno passa por cima de um cidadão que tropeçou no seu próprio lençol, e consegue chegar a tempo no seu lugar na frente do vídeo-monitor do dormitório. Mal chega em seu lugar e escuta o som de uma pistola de plasma disparando, e logo em seguida o alto-falante ganha vida novamente:
  “Cidadão David-URK-367,  porque executou o cidadão Marcos-URK-89?”
  Todos se voltam para a cama do trucidado cidadão Marcos-URK-89 onde ainda se percebia uma pequena nuvem de fumaça enquanto um cheiro de carne queimada se espalhava pelo recinto, e Bruno percebe que é o pobre coitado que havia tropeçado em seu próprio lençol e sobre quem havia pisado para chegar em sua posição para a ginástica. Seu estômago vazio começa a se embrulhar e ele ouve vozes a gritar algo em sua cabeça: “Seu imbecil, vamos todos morrer!”.
  O cidadão David-URK-367 começa a falar olhando na direção do conjunto câmera-rifle-laser que fica colocado no centro do dormitório: “Amigo computador, o cidadão Marcos-URK-89 claramente era um comunista-rebelde-traidor, pois ainda estava deitado após seu maravilhoso sinal para que os cidadãos leais acordassem e se levantassem. Além disso ele estava deitado no chão, e não sobre sua cama que você em sua infinita sabedoria nos forneceu, e portanto ele menosprezou uma dádiva do computador. Assim, ele só podia ser um comunista- rebelde- traidor e sua morte era necessária.”
  “Muito bem, cidadão David-URK-367. Apresente-se imediatamente ao setor KBM para sua promoção.”
  Bruno se irrita com sua burrice: “Maldição! Se eu tivesse tido a idéia quando pisei sobre ele a promoção seria minha... Espere só um momento, ele esqueceu de relatar a sujeira nas costas de Marcos...”, e ele então sorri maliciosamente:
  “Computador” diz enquanto saca sua pistola de plasma “o cidadão David-URK-367 agiu de forma magistral, mas não relatou a falha do cidadão Marcos-URK-89 com relação a sua higiene, e como sua infindável sabedoria nos ensinou, traição não relatada significa cumplicidade com a mesma, e assim o cidadão que não a relatou também é um traidor, e deve ser executado!”
Mal termina de falar e já pressionou o gatilho de sua arma, abrindo um rombo no peito do recém promovido David-V-URK-367.
  A câmera-rifle-laser se vira para ele o vídeo-monitor mostra a imagem do olho onipresente do computador, e o alto-falante anuncia:
“Parabéns pela sua rapidez de raciocínio, cidadão Bruno-URK-7, você recebeu uma promoção. Dirija-se ao setor KBM para confirmá-la!”
  “Oba!” pensa Bruno “Consegui minha promoção para o nível de segurança vermelho!”
  Bruno guarda sua pistola no coldre, caminha todo contente em direção à porta blindada, e mal põe seu pé para fora do dormitório quando um robô coletor de lixo orgânico que foi chamado para limpar os restos dos cidadãos David e Marcos, o atropela e o reduz a carne moída.
  Pouco tempo depois, o cidadão Bruno-UV-S sai da central dos agentes atiradores do setor ultravioleta para atender ao chamado do Deus-De-Silício-Super-Computador-Autômato-E-Senhor-Supremo-Do-Continente-Leste e a voz metálica confirma:
“De acordo com as regras vigentes você, Bruno UV-S, é o próximo na linha sucessão e deve assumir imediatamente o seu lugar no setor vermelho, ocupando a vaga de seu antecessor que por acidente foi transferido para o setor de combustível orgânico. Dentro do seu direito e larga liberdade de escolha que é prerrogativa de cada cidadão do complexo Alpha, você pode optar também em ir para o mesmo setor e se transformar em adubo orgânico”.
“Escolho o setor  vermelho Amigo Computador”, disse Bruno UV-S, caminhando rapidamente para seu novo posto. Não pôde deixar de pensar que: “A perdição deste complexo Alpha ainda vai ser pelo excesso de liberdades e opções de escolha”.

João Drummond




  
João Drummond
Enviado por João Drummond em 31/07/2007
Alterado em 24/10/2007


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